Lendas | Islândia Brasil


LENDAS

Apresentamos aqui algumas das obscuras lendas islandesas, que sempre se passam em distantes fazendas, em pequenos povoados, com pessoas peculiares e coisas mais peculiares ainda acontecendo com elas. As lendas da Islândia não são positivas, não é certeza que sempre o personagem principal sobreviverá – bem pelo contrário, sua morte pode significar a moral da lenda em questão.

O Diácono da Igreja de Myrká


Há tempos atrás havia um diácono que vivia na fazenda Myrká* em Eyjafjörður, no norte da Islândia, a qual era também o local da igreja da paróquia. Seu nome não é conhecido, mas diz-se que esteve envolvido com uma mulher chamada Guðrún. Ela trabalhava como empregada para o pastor em Bægisá, do lado oposto ao rio Hörgá. O diácono possuía um cavalo acinzentado chamado Faxi, o qual ele sempre cavalgava.

Em um inverno logo antes do Natal, o diácono cavalgou até Bægisá a fim de convidar Guðrún para as festividades natalinas em Myrká. Muita neve havia caído nos dias que antecederam sua viagem e pedaços de gelo estavam pelo chão. Neste dia em particular, entretanto, ocorreu um degelo repentino; a neve derreteu e as condições do local ficaram lamacentas e molhadas. À medida que o dia passou, o nível do rio aumentou e se tornou impassável, com blocos de gelo e correntezas muito fortes. O diácono, enquanto isso, desconhecia as condições em mudança durante sua visita a Bægisá. Quando ele saiu para voltar para casa ele prometeu pegar Guðrún em um horário pré-determinado na véspera de Natal e a acompanhá-la às festividades.

O diácono conseguira atravessar o rio Yxnadalsá sobre uma ponte de gelo, mas quando ele chegou ao rio Hörgá ele viu que o gelo havia se dissipado. Ele cavalgou pela margem até ficar ao lado oposto de Saurbær, uma fazenda ao lado de Myrká, onde ele encontrou uma ponte de gelo ainda inteira. Ele correu com seu cavalo para cima da ponte, mas quando chegaram ao meio, ela caiu e então homem e cavalo caíram na correnteza.

Na manhã seguinte quando o fazendeiro em Þúfnavellir, perto de Saurbær, acordou, ele pôde ver um cavalo selado ao final do seu campo de feno. Esse cavalo, ele pensou, possuía uma grande semelhança com Faxi, o do diácono, e achou isso perturbador, pois no dia anterior ele havia visto o diácono cavalgando pela fazenda mas não se deu conta se ele havia retornado. Então ele suspeitou do pior. Ele se apressou até o final do campo de feno e viu que era realmente Faxi, todo molhado e agredido pelo tempo. O fazendeiro seguiu pelo rio, onde se deparou com o corpo do diácono, caído na ponta de uma pequena península chamada Þúfnavallanes. A parte de trás da cabeça estava muito mutilada, presumivelmente por ter se chocado com um bloco de gelo. O fazendeiro imediatamente foi então a Myrká para dar as notícias. O corpo do diácono foi então levado para lá e enterrado em algum momento na semana anterior ao Natal.

Nenhuma notícia do incidente chegou a Bægisá enquanto as condições adversas do tempo prevaleceram. Na véspera de Natal o tempo melhorou consideravelmente e Guðrún esperava ansiosa pelas festividades em Myrká. Ela começou a se preparar no final daquela tarde e quando ela estava quase pronta, alguém bateu na porta. A menina que estava com ela foi abrir mas não viu ninguém do lado de fora; não estava nem escuro nem claro, pois as nuvens alternadamente cobriam e descobriam a lua. A menina voltou para dentro e disse que não havia visto ninguém, para o que Guðrún respondeu, "Este jogo só pode ser para mim; Eu irei." Nessa hora ela estava vestida, com exceção de seu sobretudo que ainda estava por ser colocado. Ela o pegou, colocou um braço na manga, jogando o outro sobre seu ombro e o segurando com sua mão.

Quando Guðrún saiu da casa, ela viu Faxi parado perto da porta. Um homem o qual ela pensou ser o diácono estava parado ao lado dele. Se eles se falaram ou não, este fato não é sabido; em todo caso, ele levantou Guðrún e a colocou sobre o cavalo e ele próprio também montou na frente dela. Eles partiram e cavalgaram por um período em silêncio, até chegarem ao rio Hörgá. Ao longo do rio havia blocos de gelo e neve e quando o cavalo desceu para a margem, o chapéu do diácono subiu na parte de trás e então Guðrún viu seu crânio à mostra. No mesmo instante, as nuvens se abriram e a aparição se pronunciou, dizendo:

"A lua desliza
A morte cavalga
Você não vê o ponto branco
Em minha nuca,
Garún, Garún?"**

Guðrún ficou impressionada, em silêncio, e não respondeu. Ainda, alguns dizem que Guðrún levantou o chapéu e, vendo o crânio branco, disse, "eu vejo o que é." Não existem mais relatos sobre nenhum diálogo entre os dois, nem nada mais se sabe sobre o resto de suas jornadas, até eles chegarem em Myrká. Eles desmontaram em frente ao portão e a aparição se pronunciou novamente, dizendo:

"Espere por mim aqui, Garún, Garún,
Enquanto eu levo Faxi, Faxi,
Para o final do terreno, terreno."

Ele então levou o cavalo embora. Somente então Guðrún olhou para o terreno da igreja e seus olhos fitaram um túmulo aberto. O terror tomou conta dela, ainda assim ela conseguiu conter o grito e começou freneticamente a tocar o sino da igreja. De repente, ela sentiu alguém a pegar por detrás. Foi muita sorte dela o fato de não ter vestido seu sobretudo propriamente, pois o que quer que seja que a tenha pego tão forte, rasgou o sobretudo em dois pedaços na altura da manga que ela estava vestindo. A última coisa que Guðrún viu da aparição foi que ela caiu de cabeça dentro do túmulo ainda segurando parte de sua capa, enquanto a terra caía dentro dela de ambos os lados. Guðrún tocou os sinos incessantemente até que os residentes de Myrká foram chamados a atenção e vieram buscá-la; ela estava tão rígida de medo que ela não conseguia sequer se mexer de onde estava nem parar de tocar os sinos. Ela tinha certeza de que havia entrado em contato com o espírito do diácono, mesmo que nunca ninguém tenha dito a ela que ele estava morto. Os moradores de Myrká confirmaram isso, contando a ela sobre a súbita morte do diácono. Ela, em contrapartida, contou sobre sua jornada com o fantasma.

Naquela mesma noite quando as luzes foram apagadas, a aparição retornou para assombrar Guðrún com tanta ferocidade que acordou a todos os moradores de Myrká. Ninguém pregou os olhos naquela noite. Por muitas noites seguintes, Guðrún se recusou a ser deixada sozinha e alguém tinha que ficar a acompanhando todas as noites. Alguns dizem que o próprio pastor tinha que sentar na beirada de sua cama e ler em voz alta o Livro dos Salmos.

Finalmente um feiticeiro do fiorde próximo, Skagafjörður, foi enviado. Quando ele chegou, ordenou que uma rocha fosse desenterrada do terreno sobre o campo de feno e rolada até uma das pontas da casa. Quando a escuridão caiu naquela noite, mais uma vez o fantasma do diácono apareceu e tentou entrar. O feiticeiro então o forçou pela casa até a ponta e então o dirigiu para o chão com encantamentos, colocando o pedregulho em cima. Diz-se que o fantasma do diácono permanece lá até hoje.

Em seguida a isso, todas as visitas de outro mundo pararam em Myrká e Guðrún lentamente se recuperou. Ela retornou para Bægisá pouco depois e dizem que nunca se recuperou completamente de sua provação.


* A tradução literal de "Myrká" é "Rio Escuro"; significativo se levado em consideração o destino do diácono.

** Em islandês, o nome "Guðrún" significa "mistério divino". "Guð" significa "Deus". Reza a lenda que fantasmas nunca falam o nome de Deus, nem nenhuma palavra contendo "Guð". Essa é a razão de o fantasma ter chamado Guðrún de "Garún".

A Maldição da Mulher Escondida


Em meados do século 19, vivia um homem chamado Jón Árnason; ele era solteiro e morava com sua mãe e seu pai no vale Barðadalur, norte da Islândia. Jón é conhecido por ter sido um homem muito observador e confiável.

Certo dia, Jón estava transportando enxofre junto com outros homens, das minas de enxofre ao sul do Lago Mývatn, no norte. O lugar mais próximo das minas era o vale Heilagsdalur e aqueles que viajavam de volta das minas normalmente faziam uma parada para descanso lá.

Sabe-se que nada demais aconteceu aos homens em sua jornada de volta das minas, até que chegaram no vale Heilagsdalur. Lá eles tiraram as selas de seus cavalos e montaram acampamento para passarem a noite.

Naquela mesma noite, Jón sonhou que uma mulher de aparência bem forte e vestida de azul apareceu em sua frente. Ela pediu que Jón se levantasse e a acompanhasse, o que ele fez. Eles andaram por um tempo, até que Jón começou a ter sérias dúvidas sobre o que ele estava fazendo e decidiu que seria uma opção mais segura retornar para o acampamento. A mulher suplicou que ele fosse com ela e o assegurou que nenhum mal lhe seria causado; pelo contrário, ele teria muito boa sorte se ele a acompanhasse. Ainda assim, Jón ficou desconfiado e os dois seguiram caminhos separados.

Pela manhã, os companheiros de Jón acordaram e deram por falta do colega, começando a procurar por ele. Após um tempo, eles viram Jón vindo correndo em sua direção. Eles perguntaram a ele onde ele estivera mas Jón não respondeu. O grupo então desmontou o acampamento e rumou para casa.

Duas ou três noites após chegar lá, Jón sonhou que a mesma mulher apareceu à sua frente onde ele havia dormido no vale Heilagsdalur. Ela estava furiosamente nervosa e disse: "Você fez a escolha errada, Jón, em não ter ido comigo quando lhe pedi da última vez. Quero que você saiba que meu pedido não tinha malícia e era advindo de uma grande necessidade. Minha filha estava no sofrimento de dar à luz e somente poderia conseguir com a ajuda de um ser mortal. Se você tivesse ajudado a ela e a mim naquela situação horrível você teria sim sido um homem de grande sorte; entretanto, ela sofreu uma morte horrível. De agora em diante sua vida deverá ser cheia de adversidades e azar, apesar de que isso não é punição suficiente para você. Eu não poderei descansar enquanto não te der cicatrizes para que você se lembre".

Ela então subiu em Jón, colocou uma mão em sua garganta e apertou seu punho, então ele acordou assustado. Quando ele abriu seus olhos, viu a mulher sumir.

Jón logo sentiu uma dor intensa e uma inflamação na garganta próxima do insuportável. Nada poderia aliviar seu sofrimento; na verdade a gravidade dela aumentou até que aqueles à sua volta começaram a temer que sua aflição repentina e estranha terminaria com sua vida. A real causa daquilo tudo ele não contou a ninguém.

Na terceira noite de sua doença, Jón sonhou que outra mulher vestida de azul apareceu em sua frente, mas essa de maneira mais gentil. Ela disse: "Minha irmã lhe faz uma injustiça, pois você não tinha como saber a intenção dela quando ela lhe pediu para a acompanhar; então você sofre injustamente. Eu quero lhe ajudar, do melhor modo que eu puder. Amanhã, se você estiver bem o suficiente, pegue seu cavalo e vá para a encosta de Krosshlíð, ao norte da passagem da montanha Ljósavatnsskarð. Uma abundância de ervas e gramíneas crescem lá. Quando você estiver na metade da subida você verá um córrego; siga-o até que você chegue ao centro da encosta. Lá, em uma cavidade gramada, crescem algumas ervas que você precisa pegar e colocar em sua garganta. Você as encontrará segundo minha indicação".

Tendo falado isso, a mulher desapareceu. Quando Jón acordou, ele se sentiu pior do que nunca; ainda assim ele conseguiu montar em seu cavalo e ir até a encosta Krosshlíð. Lá ele encontrou as ervas, assim como a mulher de azul havia instruído, e tão logo ele as colocou em sua garganta, sua dor desapareceu. Em alguns dias, Jón havia se recuperado completamente, e ele viveu até se tornar um homem velho. Diz-se, entretanto, que ele teve que lidar com muitas adversidades durante sua vida e que ele não contou a ninguém a história da mulher escondida até muito mais tarde em sua vida.

O Exilado da Montanha Kiduvallafjall


Uma vez, em dias há muito passados, um homem e sua mulher viviam bem no final de um vale no leste do país. Seus nomes não são conhecidos, mas eles tinham uma filha jovem chamada Helga que era clara e forte em aparência. O casal empregava um trabalhador chamado Jón, um jovem leal e trabalhador com a mente afiada e que era muito bem-quisto por todos que o conheciam. Jón e Helga se tornaram muito unidos e se apaixonaram. Quando os pais de Helga descobriram essa atração mútua, se opuseram ao fato, dizendo que Jón não era um marido adequado para sua filha e, ainda mais, não possuía qualquer segurança financeira nem propriedades. Ainda assim, eles não queriam perdê-lo sob nenhuma circunstância, pois eles valorizavam sua natureza leal e diligente. Então eles o tratavam bem. Jón não abandonou seu trabalho, e para isso teve que deixar Helga para trás, e então ele permaneceu na fazenda por muitos anos. Eles continuaram a se amar um ao outro, apesar de castamente, e esperaram por uma oportunidade de finalmente poderem se unir.

Bem no final da propriedade da fazenda havia um vale chamado Kiduvalladalur, nomeado por causa da planície Kiduvellir que ficam no final dele. Lá existia uma grande montanha chamada Kiduvallafjall. Era uma terra abundante onde na primavera o gado era colocado para pastar. Era também muito remota. Um dia quando Jón estava fazendo o pastoreio do gado montanha abaixo ele ouviu uma voz muito alta vinda de um lugar mais abaixo, "Kiduvalla, Kiduvalla, sozinho eu vivo em uma montanha!" Jón ficou muito perplexo, pois ele não conseguia ver ninguém e não existia nenhum lugar para que alguém se escondesse na região. Ele concluiu que ele deveria ter se enganado e conduziu o gado para casa.

No dia seguinte ele mais uma vez estava fazendo o pastoreio dos animais na montanha quando ele ouviu a voz novamente no mesmo lugar, ainda mais clara que no dia anterior: "Kiduvalla, Kiduvalla, sozinho eu vivo em uma montanha!" Jón pensou que a voz vinha de uma grande rocha e correu para lá, mas não viu nada. Ele se sentou e de repente foi tomado por uma curiosa intoxicação e sonolência, e acabou dormindo. Então pareceu a Jón que um estranho gentil apareceu em frente a ele, cumprimentando-o amigavelmente. Jón retribuiu o cumprimento e perguntou quem o homem era. "Eu sou um exilado", a aparição disse, "e vivo dentro desta enorme rocha. Eu sou aquele que você ouviu falando por duas vezes. Eu fiz aquilo para te atrair até este lugar mas eu não consegui te ver, pois eu estou em meu leito de morte. Hoje a rocha não está aberta mas amanhã quando você vier fazer o pastoreio ela deverá estar. Encontre-me então." Jón então concordou com isso. Ele então acordou e conduziu o rebanho para casa. Uma vez lá, ele contou a Helga sobre o homem da rocha. Ela respondeu que o homem com certeza estava passando por grande necessidade e suplicou a Jón que não o abandonasse. Jón prometeu fazer tudo o que ele pudesse.

Quando ele chegou na rocha novamente, ela estava aberta. Jón entrou e encontrou um homem doente deitado em uma cama de peles de ovelha. Aquele era o mesmo homem que havia aparecido para ele. Ele cumprimentou Jón calorosamente e disse, "Você fez bem em ter vindo. Logo minha estadia de 12 anos aqui irá acabar. Eu fui sentenciado à morte por cometer incesto e fugi para cá. Eu sabia fazer construções em rochas; eu trouxe ferramentas comigo e esculpi esta pedra, assim bem como outras menores na região para estocar mantimentos. Este aqui se provou ser o mais leal aliado", ele adicionou, apontando para um cachorro preto que estava deitado aos seus pés com o olhar fixo em seu mestre. "É isso que peço a você, que você me faça companhia nas horas de vida que me restam", disse o exilado. "Então eu vou correr para casa e informar minha ausência", respondeu Jón. O exilado concordou. Jón correu para casa e pediu para sair, pois teria que fazer uma longa jornada. Seu pedido foi atendido. Quando ele retornou à rocha, seu ocupante ainda estava vivo. Ele disse a Jón, "todos meus pertences terrenos eu deixo a você, incluindo este baú de dinheiro que está aos meus pés e o cachorro preto, que deve se mostrar o mais valioso e devoto amigo. Eu também peço que você me enterre aqui, ao lado da rocha". Jón prometeu fazer isso, e o agradeceu pelos presentes. Ele então permaneceu com o exilado até sua morte. Jón preparou o corpo para o enterro, e o enterrou ao lado da rocha como o exilado havia pedido. Após se assegurar das afeições do cachorro preto, ele retornou para casa e contou tudo para Helga, adicionando que agora eles eram incrivelmente ricos, "e vamos nós agora nos mudar para a rocha". Eles fugiram em segredo para a rocha e permaneceram lá até que os pais de Helga morreram; após isso, eles retornaram para a fazenda e viveram lá até ficarem bem velhos. E assim termina a história.

Em Brúaröræfi, no interior da Islândia, há um vale chamado Kiduvalladalur com uma montanha que se levanta bem alta sobre ele. Deve ser esse o local descrito nessa lenda.

A Lenda do Lago Úlfsvatn


No final do fiorde Skagafjörður no norte da Islândia existem muitos vales que levam para o interior. Entre o mar e eles há um lago de pesca conhecido como Úlfsvatn. Essa é a lenda sobre como o lago recebeu seu nome.

Uma vez, vivia um fazendeiro rico em uma fazenda chamada Mælifellsá. Ele tinha um filho chamado Guðmundur, um belo jovem em todos os aspectos, fisicamente forte e um bom lutador. Guðmundur frequentemente participava no pastoreio anual das ovelhas saindo das terras altas no outono, sempre liderando seu grupo de pastores.

Após o ajuntamento inicial das ovelhas, era costumeiro ir novamente ao local e procurar mais uma vez, para ter certeza de que nenhuma havia sido deixada para trás. Em uma dessas ocasiões, Guðmundur foi com vários outros homens. Eles se dividiram em grupos e Guðmundur se juntou a um rapaz jovem. Os dois caminharam até chegar ao lago Úlfsvatn; lá eles encontraram dois cordeiros perdidos, os quais eles começaram a correr atrás. O lago estava congelado, e sobre ele estava um homem, pescando através de um buraco no gelo. Quando Guðmundur e o menino se aproximaram, o homem de repente se levantou e pegou um machado que estava ao lado dele e o apontou na direção que Guðmundur e o menino estavam. Quando o menino viu a estranha recepção do homem, fugiu, enquanto Guðmundur ficou parado. Quando o homem chegou perto o suficiente, ele atacou Guðmundur com o machado, que conseguiu se desviar no último instante. O homem então acidentalmente derrubou o machado; Guðmundur o pegou e escorregou o machado pelo gelo, com o homem bem atrás dele. Uma perseguição se seguiu, até que Guðmundur viu uma oportunidade de se virar e dar um golpe fatal no homem com o machado. E quando o machado o atingiu, o homem gritou pelos nomes de Brandur, Þorgils e Ólafur.

Guðmundur correu de volta e contou aos outros homens o que havia acontecido. Vários retornaram ao lago, e viram que o corpo do homem morto havia sido levado embora. Uma trilha de sangue saía do lago.

Após esse incidente, Guðmundur ficou perto de casa e parou de fazer parte do pastoreio, pois ele temia que os homens banidos que viviam no interior pudessem estar esperando por ele. No final de um verão, entretanto, o rebanho de Mælifellsá ficou doente e ninguém estava lá para levar o rebanho de volta para casa, a não ser Guðmundur. Ele saiu, mas não conseguiu encontrar as ovelhas em lugar algum. Ele andou pelos pântanos próximos, mas elas não estavam em nenhum lugar. Enquanto Guðmundur procurava por elas, uma densa neblina baixou e ele acabou se perdendo. Após andar às cegas por um tempo, ele se deparou com um grande rebanho de ovelhas com um homem de pé próximo a elas. Assim que o homem viu Guðmundur, ele correu em sua direção; mas Guðmundur venceu. O homem suplicou a Guðmundur que poupasse sua vida, jurando que ele seria muito recompensado se fizesse isso.

Guðmundur perguntou ao homem seu nome e onde vivia. Ele respondeu que seu nome era Ólafur, "e o homem morto no lago era meu irmão Úlfur. Existem agora seis de nossos irmãos e sou o mais jovem e menor. Meu pai mora em uma fazenda não muito longe e ele te desviou para cá para se vingar por você ter matado o filho dele; ele cavou uma cova na fazenda, a qual ele deseja que seja seu lugar de descanso. Nós também temos uma irmã chamada Sigríður; nosso pai a ama muito e ela faria tudo para lhe ajudar, se ela quiser. Meu irmão Brandur não está longe daqui e se você o derrotar assim como me derrotou, e poupar ambas nossas vidas, ela certamente iria lhe ajudar de qualquer modo que puder".

Guðmundur soltou Ólafur e então continuou até encontrar Brandur. Eles lutaram, e Guðmundur o derrotou, assim como havia feito com seu irmão. Brandur então suplicou a Guðmundur que poupasse sua vida e jurou sua fidelidade, assim como Ólafur havia feito. Guðmundur o soltou e continuou caminhando até chegar à fazenda. Ele encontrou Sigríður do lado de fora e deu as notícias sobre seus irmãos, juntamente com o desejo deles de que ela o ajudasse, pois ele havia poupado a vida dos dois.

Sigríður levou Guðmundur para um andar acima do estábulo e serviu vinho para ele beber, o que o fez se sentir muito melhor. Ela contou a ele sobre o buraco aberto no gramado da fazenda. Ela o aconselhou a conduzir seu pai até a borda, então pular, de forma que o pai caísse de cabeça dentro da cova; entretanto, Guðmundur não deveria matá-lo. Seu pai logo iria acordar, ela disse, e saber da chegada de Guðmundur; ele deveria ir para a frente da casa e bater na porta. Guðmundur fez tal qual ela disse. Quando o velho homem ouviu as batidas, ele se levantou de sua cama, lembrando que finalmente Guðmundur havia chegado e que agora sua afamada masculinidade iria ser colocada à prova. Ele então abriu a porta às pressas e prontamente atacou Guðmundur sem prévio aviso. Uma luta selvagem então se deu. Guðmundur então se deu conta que o velho homem era duas vezes mais forte que ele; então ele se concentrou em se defender e evitou atacar. O velho homem o conduziu para a parte de trás, para a cova e Guðmundur foi junto, pulando o buraco aberto no último momento, de forma que o velho homem caiu de cabeça.

Somente então Sigríður chegou, e com ela os dois irmãos que Guðmundur havia lutado anteriormente. Eles suplicaram a ele que poupasse a vida de seu pai e Guðmundur concordou com isso, desde que eles não o machucassem mais dali em diante. O velho homem deu a Guðmundur seu voto solene de que eles não o fariam mais e foi levantado da cova depois. Ele agradeceu a Guðmundur por ter poupado sua vida e o convidou para entrar na casa; ainda assim, ele disse que não sabia como seus filhos mais velhos iriam encarar a presença de Guðmundur na casa quando chegassem. A Guðmundur foi então dado algo para comer e beber e mais tarde naquela noite lhe foi mostrado seus aposentos e ele se trancou dentro. Quando os filhos mais velhos voltaram para casa, perguntaram se Guðmundur estava descansando no túmulo. Seu pai os disse o que acontecera, para o qual eles reagiram com enorme fúria, ameaçando derrubar a porta do quarto de Guðmundur. O velho homem bloqueou o caminho, dizendo que eles precisariam passar por cima dele primeiro, se eles insistissem em violar o santuário de Guðmundur. Vendo isso, eles se acalmaram de alguma forma e depois de um tempo foram para a cama. Na manhã seguinte, seu pai lhes permitiu ver Guðmundur, mas os proibiu de encostar uma mão nele.

Guðmundur ficou ao abrigo do tempo ruim na fazenda durante o inverno inteiro. Durante esse período, ele e Sigríður se afeiçoaram um ao outro; ela era uma mulher bonita e tão forte que era quase páreo para seus irmãos. Quando a primavera chegou, Guðmundur quis voltar para Skagafjörður e Sigríður, que nessa época já estava com um filho, quis ir com ele. Seu pai não fez objeção e ela então acompanhou Guðmundur de volta para casa. Eles andaram sem parar até chegarem em Mælifellsá, onde Guðmundur foi recebido com alegria, como se ele tivesse retornado dos mortos. Guðmundur viveu em Mælifellsá por anos e se casou com Sigríður, que era considerada uma mulher excepcional. Um a um seus irmãos também se mudaram para a civilização, pois suas vidas haviam se tornado solitárias e sem sentido após a partida e a morte de seu pai. Alguns deles se tornaram fazendeiros em Skagafjörður e eram considerados homens de muito vigor e força.

A Noiva Desaparecida


Era uma vez um homem solteiro que vivia em uma pequena fazenda chamada Torfastaðakot, no distrito de Biskupstungur, no sudoeste da Islândia. Seu nome era Jón e ele possuía ovelhas em abundância. Quando essa história aconteceu, Jón estava prestes a se casar com uma jovem moça que era empregada em sua fazenda; era outono na época, logo após o recolhimento anual das ovelhas. Todos os preparativos necessários haviam sido feitos, a data tinha sido marcada e Jón havia começado a convidar pessoas para o casamento.

No dia em que ele havia reservado para convidar as últimas pessoas, Jón acompanhou sua noiva até um riacho próximo, onde ela pretendia passar o dia lavando roupas. Jón então continuou em seu caminho, não retornando até o final da tarde. Quando ele passou pelo riacho, notou que algumas roupas ainda estavam sem ser lavadas ao lado dele, algumas haviam sido lavadas e mais outras estavam dentro do córrego. Ele concluiu que sua amada deveria ter passado mal e ido para casa. Quando ele chegou de volta à fazenda, perguntou sobre ela, mas disseram-lhe que ela não havia retornado e que ninguém sabia onde ela estava. Jón ficou mais preocupado. Juntamente com um grupo de pessoas ele procurou por todos os lugares, mas sua noiva não foi encontrada. Depois de muito tempo a busca foi cancelada, assim bem como todas as especulações sobre o desaparecimento misterioso da noiva de Jón.

O tempo passou, o inverno e o verão vieram e foram embora e ainda não havia sinal da jovem moça. Então, um dia, todas as ovelhas de Jón desapareceram de uma só vez. Isso foi considerado muito estranho. Jón procurou por toda a região próxima à sua fazenda mas não obteve sucesso. Ele então pediu a ajuda de outro homem para que lhe ajudasse a procurar em um local mais distante, e os dois partiram com mantimentos e um par extra de calçados. Eles procuraram por tudo, subindo à pé montanhas e cruzando campos, até chegarem na beirada da geleira Langjökull. Decidiram então andar sobre a geleira e continuar por um caminho na direção norte, para conseguirem uma visão melhor das regiões vizinhas. Mas quando chegaram ao topo da geleira, se encontraram imersos em uma neblina muito densa e também em meio à uma nevasca que os deixava praticamente cegos. Elem andaram sem rumo, sem ideia alguma da direção que estavam indo. Após um tempo, se deram conta de que estavam em um declive. Eles apressaram o passo e logo se encontraram em um vale, onde não havia neblina. Já era tarde naquele dia. Logo adiante havia uma fazenda, para a qual eles logo seguiram e bateram na porta. Uma mulher abriu. Os homens perguntaram então se eles poderiam passar lá a noite; ela respondeu que sim, eles poderiam. Perguntaram então qual era o nome da fazenda e onde eles estavam, complementando com a informação de que eles estavam perdidos pela maior parte do dia. A mulher então lhes perguntou onde eles achavam que estavam. Eles então responderam que deveriam estar na parte norte, apesar de eles acharem estranho terem chegado tão longe em tão pouco tempo. A mulher então os convidou para entrar e lhes disse que eles seriam informados de onde estavam no tempo correto. Ela foi à frente pela sala principal e então para um anexo à casa, que era separado do resto. Lá ela os deixou. Tão logo ela saiu, uma outra mulher veio, segurando uma vela; ela tinha aproximadamente vinte anos de idade, era vívida e bela. Os dois homens arriscaram um cumprimento, para o qual a jovem moça respondeu amigavelmente. Ela então começou a retirar os casacos molhados deles, e não parou até ter tirado todas suas roupas, incluindo seus sapatos e meias. Mas quando eles viram que ela iria sair dali com suas roupas, ficaram ansiosos e pediram a ela que não fizesse isso, pois eles tinham receio, por segurança. Ela então respondeu que aquelas eram as ordens que foram dadas a ela e saiu com as roupas, deixando para trás a vela e trancando a porta. Os dois homens permaneceram no local e ficaram com muito medo.

Algum tempo depois, eles ouviram um bater à porta da frente. Através de um buraco na divisória, viram a mulher que os havia recebido ir com uma vela até a porta. Ela logo voltou e um homem estava com ela. Eles pararam perto da porta onde os dois homens estavam, e o tal homem começou a retirar a neve de seu casaco. "Você encontrou todos os cordeiros?", a mulher perguntou. "Sim", respondeu o homem. "Que bom", disse a mulher, antes de ir embora. Logo depois, mais uma batida à porta. Novamente a mulher foi até a porta segurando uma vela; mais uma vez ela retornou com um homem. Eles pararam na frente da porta atrás da qual os dois homens eram mantidos, e o homem começou a retirar a neve de seu casaco. "Você achou todos os carneiros?", a mulher perguntou. "Sim", respondeu o homem. "Que bom", disse a mulher, antes de ir embora. Depois, mais uma vez bateram na porta. Assim como antes, a mulher foi para a porta segurando uma vela e logo retornou, dessa vez na companhia de um homem que vestia uma longa capa. Ela agora começou a retirar a neve de suas vestes, no mesmo local onde os outros dois homens haviam removido a neve por si próprios. O homem de capa perguntou a ela se alguém havia chegado naquele dia, e ela respondeu de forma afirmativa. "Todas as vestes foram retiradas dos bandidos, incluindo suas meias e sapatos?", ele perguntou. "Sim", ela respondeu. "Muito bem", ele disse. Então eles se foram.

Ao ouvir isso, os dois homens ficaram ainda mais apavorados, pois agora eles tinham certeza que os vilões estavam tramando para matá-los. Entretanto, logo depois a porta de seus aposentos novamente se abriu, e a jovem moça que havia retirado suas roupas entrou com duas bacias de sopa de carne de carneiro gorda bem quentes para eles comerem. Colocando-as no chão, ela saiu novamente, trancando a porta. Apesar de seu medo, Jón e seu companheiro devoraram sua comida e, como estavam exaustos, logo adormeceram. Eles acordaram algum tempo depois com os sons da leitura noturna que acontecia na sala principal. Vendo isso, eles se sentiram muito aliviados, pois tiveram certeza de que a situação não era tão ameaçadora quanto eles haviam pensado inicialmente, e eles passaram a noite sem problemas.

Cedo na manhã seguinte a jovem moça voltou com roupas limpas e secas, mas não eram aquelas que eles chegaram vestindo. Ela pediu que eles as colocassem, pois eles passariam aquele dia na fazenda. Ela então saiu. Assim que eles terminaram de se vestir ela retornou com um pouco de carne de carneiro crua para eles, então saiu. Enquanto eles estavam comendo, a mulher que primeiro os havia recebido entrou no quarto. Ela perguntou de onde eles haviam vindo e eles a disseram. Ela então pediu por notícias do distrito de Biskupstungur, e eles contaram para ela da melhor forma que conseguiram. A mulher então perguntou se eles conheciam o fazendeiro Jón de Torfastaðakot, se era verdade que sua noiva havia desaparecido no ano anterior, como os moradores da região haviam reagido à notícia e como Jón estava. Eles responderam a todas as suas perguntas e então Jón disse a ela quem era ele. A mulher então lhe disse que ela era sua noiva desaparecida. "Enquanto eu estava lavando as roupas no riacho naquele dia, um homem chegou a cavalo. Ele me pegou e me trouxe para cá. Aquele homem é o magistrado aqui do município e ele havia recentemente perdido sua esposa quando me tomou como sua noiva. Ele não está em casa hoje, pois ele está investigando um caso muito sério e complexo de roubo nos últimos dois dias. Entretanto, ele deseja falar com vocês", ela disse, se virando para Jón, "e desse modo ele quer que vocês permaneçam aqui hoje. Ele gostaria de te recompensar pela perda de sua noiva, oferecendo sua filha em troca; ela é a jovem moça que lhes serviu na noite de ontem. Ele conduziu suas ovelhas para cá para que pudesse falar contigo, sabendo que você iria segui-las. Elas serão devolvidas a você quando você deixar este lugar." Jón e seu companheiro ficaram felizes ao ouvir isso. Eles permaneceram na fazenda naquele dia, foram cuidados e aproveitaram bem aquele o tempo da melhor forma que puderam.

Naquela noite o magistrado do município voltou para casa, mas não se encontrou com seus hóspedes até a manhã seguinte. Não se sabe por quanto tempo Jón e o magistrado conversaram, mas o resultado da reunião deles foi como a mulher havia dito. O magistrado disse a Jón que retornasse na próxima primavera para pegar sua filha, e que viesse com o mesmo homem ou sozinho. Adicionalmente, ele deveria trazer com ele quantos cavalos ele conseguisse, pois iria carregá-los com produtos; isso ele achou melhor do que dar ovelhas a Jón, pois as ovelhas iriam fugir da região nova durante o decorrer do verão. Quando eles saíram, o magistrado devolveu a Jón todas suas ovelhas e acompanhou os homens até onde era necessário.

Na primavera seguinte, Jón voltou à fazenda como combinado, levando o mesmo homem consigo, juntamente com doze cavalos. O magistrado deu a Jón a mão de sua filha em casamento e então carregou os cavalos com comida e suprimentos de todo tipo. Retornando para Torfastaðakot, Jón se casou com a filha do magistrado. A união dos dois foi feliz; ambos viveram por muitos anos até a velhice e tiveram um grande número de descendentes.

Acredita-se que a fazenda onde parte dessa história se passa se localize ou no vale Hvinverjadalir ou no vale Þjófadalir, na parte norte da geleira Langjökull. E assim termina a história.